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quarta-feira, maio 16, 2007

"Anarquistas, apesar de tudo"

Foi publicada uma interessante reportagem ontem (dia 15 de maio) no jornal Público, sobre o movimento anarquista em Portugal e sobre algumas opiniões relativas ao protesto no Chiado, no passado dia 25 de abril...

O protesto no Chiado no 25 de Abril foi um dos maiores agrupamentos de anarquistas dos últimos anos em Portugal.

Acreditam numa sociedade sem chefes, mas convivem com as inevitáveis contradições.

Histórias de dez anarquistas de todas as idades.

Viver em contradição... Ser vegetariano...

Estruturas alternativas...
Sem assalariados...

"...falar do anarquismo em termos de utopia pode ser ilusório porque há quem o diga num sentido depreciativo. A abolição da escravatura também era vista como uma utopia"


Podem ler a reportagem da autoria de Pedro Rios, na íntegra, clicando em "Comments" já abaixo...

6 comentários:

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    publicado no Jornal Público

    dia 15 maio 2007

    reportagem por Pedro Rios


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    Anarquistas, apesar de tudo
    15.05.2007, Pedro Rios



    O protesto no Chiado no 25 de Abril foi um dos maiores agrupamentos de anarquistas dos últimos anos em Portugal.

    Acreditam numa sociedade sem chefes, mas convivem com as inevitáveis contradições. Histórias de dez anarquistas de todas as idades.

    No último 25 de Abril, no Chiado, em Lisboa, surgiram de bandeiras pretas, panos com letras "A" circuladas e foram entoando palavras de ordem contra o Estado, o fascismo e o capital, numa manifestação que terminou com uma polémica carga policial.

    São na sua maioria jovens, mas também os há em plena idade adulta.

    São anarquistas: acreditam numa sociedade sem Estado nem chefes, mas convivem diariamente com as contradições de quem vive num mundo oposto ao que imaginam.

    É o caso de José Silva, nome fictício, que pede o anonimato por receio de represálias por parte dos militantes da extrema-direita.

    Tem 20 anos, vive em Lisboa e é estudante universitário.

    A actual maior visibilidade da extrema-direita portuguesa foi um dos factores que o levou a participar no protesto: "estão a crescer" e "andam saídos da casca".

    A manifestação do 25 de Abril "serviu de ponto de encontro de diversos movimentos", não apenas anarquistas, contra um inimigo comum - o fascismo.

    "Foi uma concentração bastante grande. Foi bastante surpreendente ver tantas pessoas."

    E José Silva define os contornos do protesto: foi uma "manifestação anti-autoritária contra o capitalismo e o fascismo".

    Terá juntado cerca de 300 pessoas (150 na versão policial), sendo porventura o maior protesto a envolver anarquistas dos últimos anos.

    José Silva, que se queixa de ter levado três bastonadas de um polícia sem justificação, foi um dos criadores do Cravado no Carmo, um site que reúne testemunhos e informação sobre o que os manifestantes consideram ser a acção "despropositada" e "injustificada" da PSP no Chiado.

    A polícia justificou a intervenção com um alegado comportamento agressivo e actos de vandalismo dos participantes do protesto.

    Onze pessoas com idades entre os 20 e os 30 anos foram detidas.

    António Sousa é outro dos manifestantes, de 28 anos, também anarquista.

    Invoca o mesmo receio de represálias para usar um nome fictício na conversa com o P2.

    "Durante dois anos tive a minha foto na net.

    Vi amigos terem "nazis" à porta de casa", justifica este lisboeta, que andou pela "okupa" da Praça de Espanha, nos anos 90 e já foi detido por participar em manifestações ilegais.

    "Por posição ideológica não pedimos autorização ao governo civil", refere.

    Com 22 anos, João (pediu para não ser identificado pelo apelido), de Évora, secretário e membro da banda anarco-punk Inconformidade Anti-Constitucional, participou no protesto para "mostrar às pessoas que existe uma alternativa", "numa altura em que o sistema tem legalizado um partido político assumidamente "nazionalista" [o PNR]", conta por e-mail.

    À semelhança dos outros manifestantes ouvidos pelo P2, ficou "espantado" com as dimensões da manifestação e conclui que "o movimento está a crescer".

    Diogo Duarte, de 22 anos, anarquista e estudante de Antropologia Social no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), não concorda com esta análise.

    "Não considero que haja um movimento anarquista em Portugal.

    Mesmo os que se manifestaram são agrupamentos de indivíduos muito dispersos", contrapõe.

    O estudante acredita que "há terreno" para que "características anarquistas" tenham aplicação no dia-dia e cita como exemplos o software de código aberto e as licenças flexíveis de propriedade intelectual Creative Commons.



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    Viver em contradição

    Mas no desfile pelo Chiado não havia só jovens.

    Júlio Conceição, 43 anos, gritou "contra o Estado e o capital".

    Pertence a uma "associação de ecologia social anti-autoritária", a Planeta Azul, que nasceu há 15 anos no Porto.

    Dá aulas de português a cerca de 50 imigrantes e dinamiza grupos de escuteiros livres, sem chefes e com uma postura crítica.

    Também a Terra Viva, do Porto, desenvolve trabalho no âmbito da ecologia social e com escuteiros livres.

    José Paiva, membro da associação, refere duas ideias-chave da ecologia social: o capitalismo e o respeito pela natureza são incompatíveis e o ambientalismo é muitas vezes sinónimo de "capitalismo verde".

    José Paiva tornou-se anarquista depois da revolução de 1974, quando percebeu que os partidos de extrema-esquerda, onde militou, não levariam a uma sociedade igualitária.

    Hoje, com 56 anos, põe a tónica na intervenção social.

    O anarquista deve intervir na sociedade, "não como vanguarda, mas ao lado, ombro a ombro, com pessoas não anarquistas", defende.

    "Se não hoje somos poucos e amanhã seremos ainda menos".

    Diogo Duarte, o estudante de antropologia, concorda.

    O anarquismo não é uma "utopia", diz.

    "Por uma razão: não pretende ser perfeito", explica o estudante, que chegou à ideologia no início desta década através de um livro de Noam Chomsky.

    Anarquista dos sete costados, José Paiva recebe o subsídio de desemprego, concedido pelo Estado que ele próprio rejeita.

    Contradição?

    Ele diz que não: "O Estado não nos dá nada; devolve-nos um pouco do que lhes demos."



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    Ser vegetariano


    "Qualquer anarquismo que se queira puro é reaccionário.

    A vida é feita de cambalhotas, mestiçagens e contradições", refere António Silva, de 48 anos, professor numa escola de Espinho.

    Admite que o "sistema escolar faz das pessoas não tanto indivíduos livres como cidadãos obedientes", mas acredita que só através da "educação e da intervenção global" é que "o capitalismo e o poder dominante, cada vez mais global, se vão minando".

    É o que procura fazer nas suas aulas, no blogue Pimenta Negra, e no movimento ecologista GAIA.

    "É quase viver em contradição", nota Diogo.

    Mesmo assim, tenta "questionar todo o tipo de autoridade".

    "Na faculdade, em que há um sistema altamente hierárquico, nunca me resignei ao espírito competitivo, quase de guerrilha", exemplifica.

    "Escolher aquilo que compro" e ser vegetariano são outras das pequenas vitórias do dia-a-dia para este libertário.

    "Tento limitar o impacto da minha vida", aponta José Silva.

    Também é vegetariano e rejeita o tabaco, o álcool e as drogas para "estar o mais lúcido possível e consciente" de tudo o que o rodeia.

    A "autocrítica e o auto-controlo" são essenciais a este estudante que se diz "incapaz de tomar uma atitude autoritária".

    "Tendo a encarar isto mais como uma filosofia de vida do que como uma meta concreta que se tenta atingir.

    É um ideal lá ao fundo, vislumbrável aqui e ali."


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    Estruturas alternativas


    Uma associação, duas livrarias e uma "okupa"


    Não estamos numa associação anarquista, faz questão de esclarecer José Paiva, em conversa com o P2 na pequena sede da Terra Viva, na Rua dos Caldeireiros, no Porto.

    Mas o trabalho da associação no âmbito da ecologia social tem pontos de contacto com a postura contrária à autoridade e às hierarquias que caracteriza o anarquismo.

    E nas prateleiras e paredes vêem-se símbolos da ideologia, como uma bandeira igual às da antiga Confederação Geral do Trabalho (CGT), que congregou os anarco-sindicalistas do início do século XX, quando esta era a ideologia dominante no meio operário português.

    A Terra Viva desenvolve trabalho com 260 jovens, muitos deles de meios sociais carenciados.

    Desta forma, a pequena equipa da associação quer formar "pessoas críticas", que se habituem a criar movimentos de base, como o Movimento de Utentes dos Transportes da Área Metropolitana do Porto.

    Paiva e outros membros da associação têm sido presença constante nos protestos contra a recente mudança na rede de autocarros da cidade.

    Professora do 3º ciclo numa escola do Porto, Pilar Estefânia colabora com a sociedade desde que "não fira" os seus valores.

    "Todos nós temos uma vida tão burguesa como as outras.

    Temos trabalho, família...", admite esta espanhola com 66 anos que veio para o Porto nos anos 60.

    "O que singulariza o anarquismo dos outros movimentos sociais é que ele não acredita no poder e, por isso, cria mecanismos de auto-poder, baseados em grupos de afinidade.

    Começa da base", diz, entusiasmada, ao P2.

    Encontramo-la na Utopia, livraria mantida por outro anarquista, o amigo Herculano Lapa, de 50 anos.

    Ironicamente situada junto a dois símbolos do poder (o quartel-general da Praça da República e a Igreja da Lapa), vende livros e revistas sobre anarquismo, situacionismo, ecologia e outros temas.




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    Sem assalariados



    O equivalente lisboeta à Utopia é a Letra Livre.

    Situa-se na Calçada do Combro, artéria importante na história do anarquismo português - era lá a sede da CGT e do seu jornal "A Batalha", a principal publicação operária e sindicalista da Primeira República.

    A filosofia anarquista preside à organização da livraria: não há assalariados, os três sócios são os únicos trabalhadores.

    "Não aceito assalariados. É como se fosse uma cooperativa", explica um deles, Eduardo de Sousa, de 50 anos.

    É a forma de "evitar usar mecanismos de poder" e viver segundo a sua ideologia, apesar das inevitáveis "contradições".

    A "semente" libertária está também plantada na Casa Viva, uma "ocupação autorizada" de um prédio na Praça do Marquês de Pombal, no Porto.

    Com 36 anos, António Cunha, introduzido no anarquismo no final dos anos 80 por José Paiva, vive do seu trabalho como vendedor de têxteis.

    Reconhece que o seu pensamento político implica "engolir muitos sapos".

    Mas lembra: "Só te manténs a lutar se estiveres vivo."

    É fora da actividade que lhe permite sobreviver que age de acordo com a sua "ética": produz desde 1991 o fanzine "Cadernos Insurreição" e em 2005 juntou-se à Casa Viva.

    Não sendo constituída apenas por libertários (reúne várias sensibilidades à esquerda), esta "okupa" autorizada pelo proprietário funciona segundo princípios anti-autoritários.

    Os quatro pisos da casa centenária albergam exposições, concertos, ciclos de cinema, debates, entre outras actividades.

    A realidade diária frustra o anarquista?

    "Frustra qualquer um", sublinha Eduardo de Sousa.

    "A vida é feita disso.

    Sei que o ritmo biológico não é o ritmo histórico.

    Vivo o período que me foi dado a viver", diz o livreiro, sublinhando que o anarquismo valoriza o dia presente, "vive o seu tempo".

    "Não é uma remissão para o futuro da salvação, como pretendem os católicos.

    Falar do anarquismo em termos de utopia pode ser ilusório porque há quem o diga num sentido depreciativo.

    A abolição da escravatura também era vista como uma utopia", acrescenta.





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