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domingo, setembro 20, 2009

"O caos chegou, habituemo-nos"

O caos chegou, habituemo-nos

16.09.2009 - Pedro Rios

Vão ser tempos de imaterialidade, diluição e mistura. Mas não é certo que o formato físico, a ideia de "álbum" e outros alicerces do que tem sido a música popular sejam demolidos de vez. O Ípsilon falou com músicos, especialistas, editores, donos de lojas de discos e sociólogos. Uma conclusão apenas: nada vai ser como dantes, agora que a confusão é a norma.




Podem ler a reportagem na íntegra do suplemento ÍpsIlon (do jornal Público), clicando em "Comments" já abaixo...

5 comentários:

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    O caos chegou, habituemo-nos

    16.09.2009 - Pedro Rios



    Vão ser tempos de imaterialidade, diluição e mistura. Mas não é certo que o formato físico, a ideia de "álbum" e outros alicerces do que tem sido a música popular sejam demolidos de vez. O Ípsilon falou com músicos, especialistas, editores, donos de lojas de discos e sociólogos. Uma conclusão apenas: nada vai ser como dantes, agora que a confusão é a norma.



    Faltam 104 dias para a década de 2010 arrancar e nem por isso temos mais certezas. Nos últimos dez anos parece que tudo mudou na forma como ouvimos e consumimos música e, por arrastamento, na forma como interagimos com ela. E daqui em diante? Até onde vai o processo revolucionário em curso?
    A principal dúvida está em saber como vão agir os adolescentes de hoje, que começaram a consumir música num mundo digital e que, especula-se, não têm especial relação com os objectos físicos (o CD ou o vinil), nem com esse (até há pouco tempo irresistível) conceito chamado "álbum".

    Segundo o último relatório da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês), o negócio global da música digital (desde faixas musicais a toques de telemóvel) representava, em 2008, 3,7 mil milhões de dólares (cerca de 2,5 mil milhões de euros), 20 por cento das vendas de registos musicais - em 2007 a fatia digital representava 15 por cento do bolo total e em 2004 apenas dois por cento. Nos próximos anos perceber-se-á se as vendas digitais serão dominantes. Na Atlantic, editora dos Led Zeppelin e John Coltrane, isso aconteceu já no ano passado.




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    Rita Vozone, editora assistente de "Old Rare New: The Independent Record Shop" (Black Dog Publishing, 2008), livro que traça um retrato das lojas de discos tradicionais da América e do Reino Unido e dos coleccionadores, acredita que o objecto físico vai continuar a fazer parte das rotinas dos melómanos. "Houve um período um bocadinho desértico no princípio desta década", em que se instalou a "histeria de toda a música à distância de um clique", mas as coisas mudaram nos "últimos cinco anos", diz. Os mp3 estão a chegar às pessoas que "raramente ouviam música", enquanto o público mais interessado "começou a virar-se para o vinil porque o formato é mais agradável e a experiência [de comprar um disco numa loja] é mais pedagógica e interessante".

    Vozone diz ter, por isso, razões para acreditar que as "lojas de discos não vão fechar". Artur Ribeiro, dono da Jo-Jo's Music, a mais antiga loja de discos do Porto em actividade, concorda: "Quando se instalou a história do Napster [serviço de partilha de música criado em 1999], foi tudo tão noticiado que passou a apetecível. Hoje noto que mesmo os miúdos, tendo poder económico, acabam por gostar de ter o objecto". O optimismo levou-o a aumentar recentemente o espaço físico da Jo-Jo's, que tem agora três pisos, um auditório e vários novos espaços. "As vendas aumentaram com o aumento da loja", revela.

    Fred Somsen, responsável pela distribuição da editora independente americana Drag City na Europa, prevê, por seu lado, que a compra de discos "vai manter-se", mas "para uma franja reduzida". O regresso do vinil pode muito bem ser um fenómeno passageiro. Certo é que o digital vai ultrapassar o físico e "as coisas nunca vão ser como eram antes", sustenta.



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    Arquivistas ou ouvintes?

    Na década que está prestes a terminar, a música transformou-se num bem facilmente acessível, legal ou ilegalmente. Se António Contador, músico, artista e sociólogo, se entusiasma com esta perspectiva ("A geração que tem hoje 20 anos tem a história audiovisual e musical à sua disposição"), Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero, e Tozé Brito, administrador da Sociedade Portuguesa de Autores e ex-editor na Universal e na BMG, temem as suas consequências.

    Tozé Brito acredita mesmo que na próxima década serão criados tribunais especializados em propriedade intelectual, com uma rapidez superior à da justiça normal. O combate à pirataria "passa por entendimentos entre ISP [fornecedores de acesso à Internet], governos e detentores de direitos. Temos que nos sentar à mesma mesa. O que é crime é crime, não há nada a fazer. É consensual que temos de criar tribunais para julgar estes casos", prevê.

    Miguel Guedes aplaude a "democratização" que os anos 2000 trouxeram, mas critica a "falta de respeito" para com os criadores. E identifica um paradoxo criado pela abundância de música gratuita à solta na rede, que transforma os melómanos em "arquivistas", "mais do que ouvintes": "Cada vez se ouve mais música, mas ouve-se menos música. Estamos a perder tempo para tudo o que nos exige tempo". Por isso, antecipa, "mais cedo ou mais tarde vai haver algum espartilho".

    Mas há também quem fale em "desaceleração" e numa vontade de consumir música mais pausadamente. É o caso de Rita Vozone, que faz um paralelo com a profusão de lojas "gourmet" e de produtos orgânicos e com o surgimento de fenómenos de combate como a "slow food". A conclusão de "Old Rare New: The Independent Record Shop" é que "há uma geração de consumidores que não vai deixar as lojas de disco morrerem. O consumo é cada vez mais sério, informado e cultivado". Vozone dá o exemplo de Lisboa, onde há várias lojas especializadas em vinil. Porquê? "As pessoas interessam-se muito pela experiência "de convívio e aprendizagem" que uma ida a uma loja proporciona e o descarregamento pela Internet não.



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    Aconteça o que acontecer, a indústria terá de diversificar as suas fontes de receita se quiser aproximar-se minimamente dos números de outrora. A venda de faixas digitais não chegará: na próxima década veremos (como nesta já começámos a ver) novas formas de ter acesso à música, que podem muito bem não passar pela compra: "streaming" (difusão de ficheiros pela Net em tempo real, sem descarregamento), toques de telemóvel, música gratuita através da compra de outros produtos (um exemplo português: a Optimus lançou telemóveis com a discografia dos Xutos & Pontapés), videojogos associados à música, entre outros. Alguns contratos com artistas já prevêem a partilha de receitas com concertos e "merchandising". E até podem não envolver uma editora tradicional, como aconteceu entre os Groove Armada e a marca de bebidas alcoólicas Bacardi.
    "Há uma mudança de paradigma bastante acentuada. Deixou de ser uma indústria de comércio para passar a ser uma indústria de serviços. E o serviço que mais vai prestar é a disponibilização de catálogos", diz Rui Miguel Abreu, jornalista da "Blitz" e um dos responsáveis pela Loop Recordings, antecipando um modelo em que o consumidor poderá ter acesso a catálogos inteiros de editoras mediante o pagamento.
    A "relação de propriedade" (ter um disco, um ficheiro mp3) pode deixar de ser tão preponderante quando falamos de ouvir música, nota Rui Miguel Abreu. O sucesso de serviços como o Spotify, que permite a audição de mais de quatro milhões de faixas de forma gratuita (com anúncios publicitários) ou mediante o pagamento de um valor mensal (sem publicidade), já aponta nesse sentido. Nem um melómano e coleccionador como Fred Somsen o dispensa no escritório em Londres.

    Tozé Brito diz que o futuro está aqui. "Para quê ter 100 mil canções se as posso ouvir em qualquer altura?", questiona. "Haverá franjas que vão consumir CD ou vinil, que está a reaparecer, mas será uma minoria".
    "A venda de música na próxima década vai passar essencialmente pelas lojas especializadas, nos mais diversos formatos disponíveis", acredita Artur Ribeiro. "Os 'hits' vão certamente engrossar as vendas digitais, para todos os públicos, com especial incidência nas camadas jovens já habituadas às descargas de ficheiros, mas o formato físico não vai desaparecer". Produtos como a caixa dos Beatles editada este mês e o livro/disco duplo do projecto a solo de Manel Cruz, Foge Foge Bandido, vão ser mais vulgares, diz o dono da Jo-Jo's, que sonha abrir na sua loja uma secção com computadores onde se possam comprar mp3 com o apoio de um funcionário, especialista em música. Seria o melhor de dois mundos: a oferta quase infinita da rede e o contacto humano da compra numa loja.




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    Regresso à canção, adeus à tribo

    Em Agosto, os Radiohead disseram adeus aos álbuns, gesto que muitos viram como mais um prego no caixão desse formato. Tozé Brito, que cresceu a ouvir e a fazer álbuns, não tem medo de afirmar que o "álbum já acabou". E não perde muito tempo com lamentações: "Este é um negócio de canções. Eu sou do tempo dos 'singles'. É um regresso à canção".

    Os números da IFPI relativos a 2008 dão força à tese do veterano da indústria discográfica. As faixas individuais continuam a ser o motor do mercado digital (1,4 mil milhões de temas vendidos, mais 24 por cento do que em 2007). Mas Rui Miguel Abreu é cauteloso. "Não sei se a indústria está preparada para outra forma de fazer negócio - penso que não. E os artistas têm um fôlego que gostam de explorar", reflecte. Miguel Guedes confessa "tristeza" perante este estado de coisas e diz que ele já influencia a criação: "Cada vez mais os artistas, devido a este consumismo exagerado, estão a fazer canções avulsas, sem a noção de uma peça".

    No meio deste turbilhão, seria difícil que a forma como nos relacionamos com a música (e, pela música, com os outros) não se alterasse. Paula Guerra, docente de sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, chegou a esse conclusão através de diversos inquéritos que realizou nos últimos anos para a sua tese de doutoramento sobre o campo sociológico do pop-rock alternativo português.

    Guerra constatou que os entrevistados com menos de 30 anos tiveram dificuldades em citar duas bandas referência na sua vida. Esta ausência de referências é a consequência da "banalização" da música, que leva a que num iPod possam conviver os Joy Division e os Scissor Sisters - bandas com imaginários que nos anos 1980 seriam dificilmente compatíveis. "A vinculação é mais efémera e transitória", acrescenta. Esta "mistura" e "diluição" de fronteiras estilísticas reflecte-se também na forma de vestir, que cruza, sem preconceitos, "elementos de diversas tribos e subculturas". A excepção mais notória é, talvez, o metal: "São os mais fiéis, os que compram mais discos".

    "Há coisas que se perderam e outras que se ganharam", corrobora Miguel Guedes. "Ganhou-se uma sociedade muito mais multicultural e aberta. É difícil vermos tribos contra tribos", diz. Mas perde-se "algum do romantismo da noção de clã, que tinha coisas muito bonitas - as pessoas tinham um gosto partilhado, e isso era tão forte que permitia uma intensidade maior".



    Link para a notícia:
    http://ipsilon.publico.pt/musica/texto.aspx?id=240922



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