PESTE & SIDA até ao fim…e que o melhor esteja para vir!
Com um espectáculo verdadeiramente estrondoso, os Peste & Sida deram por concluída a tournée do seu último álbum, Cai no Real, na passada sexta-feira 13 no Teatro da Comuna, com o anúncio de um novo trabalho para o próximo ano. Julguei por isso oportuno fazer aqui um pequeno balanço da sua actividade e produção recentes.
A ‘herança’ da banda e a notoriedade alcançada logo com o 1º álbum de originais – Veneno (1987) – fazem com que os Peste & Sida sejam por vezes remetidos para o passado, equacionados fundamentalmente com um período sem dúvida marcante quer da história da banda quer do punk português. Cite-se exemplificativamente a referência do Destak online ao concerto de sexta-feira como o “Renascimento dos Peste e Sida”. Esta crassa ignorância e erro grosseiro são particularmente irritantes de ouvir ou ler.
Como qualquer pessoa minimamente informada e não totalmente estúpida sabe (ou procura saber…), os Peste & Sida ‘renasceram’ há já vários anos, e têm estado particularmente activos desde então, não só em termos de produção discográfica como de prestações ao vivo. Na verdade, os Peste & Sida nunca estiveram tão bem como na década actual, com Tóxico, editado em 2004, e Cai no Real (2007). Este último trabalho marca indiscutivelmente o apogeu daquela que é, sem margem de dúvida, uma das bandas portuguesas de topo da actualidade – por muito que tal seja ignorado, e até contrariado, pelos media nacionais.
Os Peste & Sida são possuidores de um estilo muito próprio – talvez único – que ilude a classificação fácil (e provavelmente inútil), tal é a complexa mistura de géneros e subgéneros musicais que marcam a formação e evolução musical deste colectivo. Para além de uma sonoridade simultaneamente agressiva, divertida, imprevisível e extremamente dançável, os trabalhos mais recentes dos Peste & Sida destacam-se pela qualidade – literária? – e pela densidade social, cultural, política, das suas letras. A afirmação de João San Payo de que “o poder comunicativo que uma banda tem será desperdiçado se não aproveitarmos o tempo de antena para mexer com as consciências”(1), e a consciência de que a música não surge no vácuo, traduzem-se na abordagem de temas sociais e políticos da actualidade, como “Ska core eco” ou “Ska cáustico” de Tóxico.
Quanto a Cai no Real, a sátira sociocultural assume uma acutilância e perspicácia admiráveis: neste aspecto, as letras de Cai no Real são de uma qualidade sem paralelo no panorama nacional contemporâneo. “Bebe vinho” retrata de forma cáustica uma realidade muito portuguesa e não apenas rural, enquanto “Revolução Rock” actualiza e, em termos de mensagem, supera amplamente, o original dos The Clash (ver vídeo mais abaixo).
E que dizer da crítica acérrima ao potencial alienador e conformista da ética consumista do magistral tema “Cidade Veneno”?
“Como um animal de abate fazes parte da manada
Só ruminas, não fazes nada
Passa-te ao lado o roubo neo-liberal
Vives a cultura do gueto comercial”
Ou da clarividência da análise sociopolítica de “Entregues aos bichos”, que verbaliza a frustração e impotência de uma fatia decerto bastante significativa da população portuguesa?
Para não falar da actualidade gritante de “Ernesto Desonesto” em tempos de faces ocultas, ou o vigoroso safanão de “Acredita (o Tempo…)”, que nos interpela sem rodeios:
“Acredita, o tempo passa a correr
Tens de te apressar se ainda queres crescer
Os dias correm lentos com as cenas habituais
(…)
Nestes tempos não há espaço para a apatia
É muita competição nesta selvajaria
(…)
Não te deixes ficar, pega em ti (…)”
Sabemos quais são as consequências do inconformismo, da crítica e da questionação neste “jardim plantado à beira mar” (rejeição, neutralização, menorização, etc.), e isso ainda torna mais louvável o trabalho dos Peste & Sida, amplamente reconhecido e devidamente apreciado por uma legião considerável de fãs dedicados, alguns dos quais presentes de corpo e alma no concerto de sexta-feira 13, com ou sem “Maldição”. Os mesmos fãs que esperam já com alguma ansiedade o próximo trabalho, e especialmente o próximo concerto, desta banda que – fazemos votos – continue a dar que falar … e calar!
(1) Luís OLIVEIRA (2007) “Peste & Sida: Rock de Combate”, Revista Underworld nº 24 (Setembro), disponível emhttp://www.underworldmag.org/.
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ResponderEliminarTexto gentilmente cedido ao Billy News pela autora.
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