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terça-feira, julho 06, 2010

Agência de Notícias Anarquistas - entrevista a Fabrício Monteiro


Entrevista com Fabrício Monteiro, autor do livro ?O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX?


[O historiador Fabrício Monteiro acaba de lançar o livro ?O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX? . Leia a seguir a entrevista que ele concedeu à Agência de Notícias Anarquistas sobre a sua obra.]




Podem ler a entrevista, clicando em "Comments" já abaixo...

7 comentários:

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    Agência de Notícias Anarquistas > Gostamos de começar a entrevista pedindo para a pessoa falar um pouco de si, de sua trajetória libertária...
    Fabrício Monteiro < Sou natural de Araguari , mas vivo na cidade de Uberlândia faz tempo. O anarquismo surgiu para mim via educação. Inicialmente, a partir de minha própria experiência como estudante na época do colegial, foi tornando-se cada vez mais evidente e nauseante para mim a hipocrisia do sistema escolar oficial. As manifestações que, para nós alunos, pareciam criativas e reflexivas no interior da escola eram classificadas com ?inapropriadas? . O sentimento, já claro naquela época, da ridícula contradição dos lindos discursos de professores e da direção escolar sobre nós como ?cidadãos? sendo formados e do que eles mesmos pregavam mais tarde sobre o santo ?mercado de trabalho?. Depois de ter uns parcos contatos iniciais com as idéias anarquistas fui estudar História na faculdade , com a única intenção de ser professor e fazer diferente do que eu mesmo tinha passado. Na Universidade Federal de Uberlândia, durante a graduação, havia um grupo de estudantes que haviam participado de um ?cursinho pré-vestibular alternativo? , mas que se retiraram do projeto após tentarem propor formas diferentes de trabalho com os alunos, para além do preparo para o vestibular. Formaram em 2002 o Projeto Educacional Circus , um curso-livre e auto-sustentado que incluíam, na época, aulas e trabalhos com artes cênicas, humanidades, discussões político-sociais. Apesar de ?disfarçado? oficialmente de ?pré-vestibular alternativo?, o que mais chamava a atenção naquela experiência de educação libertária era a gestão coletiva do projeto, envolvendo professores e alunos em reuniões coletivas para a decisão ? via consenso, quando possível ? de todos os aspectos do grupo . O Projeto Circus terminou em 2005 e, após um episódio malfadado de tentativa de construção de um ?squat? na cidade por algumas daquelas pessoas somadas a outros grupos e indivíduos libertários, aquele núcleo original foi se dispersando...


    ANA > E como surgiu a idéia de escrever o livro ?O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX??
    Fabrício < Diretamente o livro vem de uma pesquisa de mestrado. Minha preocupação principal é com a condição niilista atual, que, em poucas palavras, é motivada pela fragmentação de referências e valores e pelo intenso controle social sobre os indivíduos, o que atrapalha o desenvolvimento da autonomia de cada um. O século XIX e o terrorismo revolucionário surgiram como forma de comparação histórica com nossa contemporaneidade e como busca das origens políticas de alguns sentidos da palavra ?niilismo?.


    ANA > Ele acaba de sair do forno, não?
    Fabrício < O livro saiu agora pela Annablume . A discussão sobre o niilismo contemporâneo ficou de fora por enquanto.




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    ANA > E deu trabalho escrever este livro, pesquisar, levantar as informações?
    Fabrício Poderia fazer um resuminho do livro? É uma obra baseada em muitas experiências ?niilistas anarquistas??
    Fabrício < O termo ?niilismo?, nos sentidos atuais surgiu como uma tentativa de definição para grupos revolucionários russos da segunda metade do século XIX em luta contra o czarismo. Era uma palavra de caráter negativo, sinônimo de ?destruição total da organização e valores sociais? usada nos jornais e literatura da época para denegrir os objetivos de transformação social dos revolucionários . Percebe-se que, naquele sentido, o niilismo se assemelha a definição ?burguesa? do anarquismo e essa ligação não era por acaso, assim como na Rússia o fechamento de cerco dos governos contra as ações revolucionárias ? como o Ir ao Povo russo ou a Comuna de Paris na França ? levou algumas pessoas às propostas de ação direta e violenta contra os governantes e burguesia através do terrorismo. O ?niilismo? russo foi uma compreensão ?importada? da Rússia para França, Itália, Espanha etc. O livro trata disso: discussão sobre esses movimentos russos no primeiro capítulo e o terrorismo anarquista na Europa ocidental no segundo.


    ANA > Que personagens são descritos no seu livro?
    Fabrício < Não há um aprofundamento específico em tal ou qual personagem, pois o objetivo é uma visão um pouco mais ampla sobre os acontecimentos políticos revolucionários e sobre as versões sobre eles . As discussões envolvem o grupo Vontade do Povo e Netchaiev, na Rússia, Ravachol, Vaillant, E. Henry, Caserio, Lucheni, Czolgosz no ocidente. Discussões sobre a curiosa ?Internacional Negra? e o infame Cesare Lombroso. E outras coisas.


    ANA > Existe alguma figura do livro que você se identifique?
    Fabrício < Individualmente não, mas me chama a atenção a sensibilidade de todos os anarquistas terroristas. Parece paradoxal, não? Mas a sensibilidade era algo que movia todos os atos daquelas pessoas. O fragmento de autobiografia de Lucheni é, nesse sentido, marcante.





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    ANA > Concordo plenamente quando você fala em sensibilidade destes "anarquistas terroristas". Você não acha que muitas destas ações levadas a cabo estavam impregnadas daquela máxima proferida por Bakunin, de que a vontade de destruir é ao mesmo tempo uma vontade criadora?
    Fabrício < Exatamente. É claro que não se tratava dos atentados pelos atentados, das explosões pelas explosões. Quando Turgueniev cria seus personagens ?niilistas? como puros destruidores ele, que faz uma literatura contrária à política revolucionária na Rússia, ajudou ? e muito ? na disseminação da idéia de que tratavam-se de ?fanáticos? e ?arautos do apocalipse?. Esta visão estendia-se também aos anarquistas por parte das elites e classes médias. Para estes grupos a proposta de criação de uma sociedade sem governantes e propriedade privada não se sustentaria, era o mesmo que propor a destruição pura e simples da sociedade porque seus ?alicerces? não estariam mais lá. Por seu lado, depois de presos e condenados, os anarquistas não tentavam escapar da pena de morte ou se arrependiam de seus atos, pois tinham certeza que contribuíram para a construção dessa nova sociedade, sem exploração de classe e repressão governamental.


    ANA > As ações expropriadoras da época também são abordadas na sua obra?
    Fabrício < O foco central das discussões gira em torno dos diferentes sentidos para o ?niilismo?, termo politicamente pejorativo atribuído aos revolucionários . Um primeiro significado para essa palavra, na voz dos segmentos governamentais e ?burgueses?, envolvia um grande espanto frente ao ?desrespeito? que aqueles revolucionários mostravam a valores considerados intocáveis e inquestionáveis pelas elites : ser niilista era sinônimo, para estes grupos, de ser amoral. O máximo do ?vazio de valores? seria o atentado direto à vida de pessoas . O livro, especialmente no segmento sobre os anarquistas, enfatiza estes episódios, discutindo, inclusive o caráter desta suposta ?amoralidade? niilista. Paralelamente vão sendo mostradas as reações dos governos frente a este tipo de ação.


    ANA > E qual era a participação das mulheres nestes episódios?
    Fabrício De memória eu lembro da história de uma anarquista russa chamada Fanya Kaplan, que tentou matar Lenin...
    Fabrício <E ele teve sua ?vingança?, não é? Em uma proporção bem maior... lembremos da Ucrânia, por exemplo.



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    ANA > Houve algum país que se destacou pelo volume de ações ?terroristas??
    Fabrício < Acho que não será surpresa ao destacar-se a Espanha entre os países onde a via terrorista teve um grande destaque, com algo próximo de 50 vítimas fatais e mais ou menos 100 feridos. Itália e França também têm destaque, mas a preocupação dos governos era geral nesta época. Lembremos que a Conferência de Roma, realizada em 1898, quando os dirigentes europeus reuniram-se no auge dos atentados para tentar coordenar uma ação conjunta contra os anarquistas, nada menos que vinte e uma nações estavam presentes através de seus delegados.


    ANA > Normalmente estas ações eram feitas em grupos ou individualmente?
    Fabrício < A ignorância das diferenças do caso da Rússia com os países ocidentais, como França ou Itália, por exemplo, ajudou inclusive na fusão de sentidos do ?niilismo? russo e do terrorismo anarquista pelos segmentos dominantes. A ?sociedade secreta?, pequenos grupos clandestinos que se reuniam para planejar e executar atos revolucionários , era comum na Rússia. O elevado grau de censura e repressão czarista forçou os movimentos revolucionários a organizarem-se dessa forma para tentarem continuar a existir. No caso dos anarquistas da Europa ocidental as ações eram muito mais individuais, desde a intenção em si, a escolha do alvo, o planejamento e a execução do ato. A seqüência de atentados na França, por exemplo, a partir de Ravachol, passando por Vaillant, Henry e Caserio não ocorreu como uma ação coordenada entre os anarquistas, que na maioria das vezes nem se conheciam, mas por uma sensibilização pessoal devido a prisão e execução do companheiro de luta anterior. A ação de Ravachol, destas citadas, foi a única planejada em grupo, mas era uma vingança imediata contra um juiz e também foi executada individualmente. Pensar que haviam ?células? anarquistas terroristas espalhadas por toda Europa foi um pensamento comum entre os governos da época e que foi tão forte que gerou o ?mito? da Internacional Negra terrorista, discutido no livro.


    ANA > Na época estes ?anarquistas terroristas? eram considerados muito danosos para o movimento libertário, recebiam muitas críticas por suas ações, não?
    Fabrício < Sim. Mesmo que muitos anarquistas fossem favoráveis ao protesto aberto e a outras formas de ação direta, a ação terrorista era rejeitada como legítima ou útil por grande parte deles. Kropotkin, Faure e Malatesta são exemplos. Importante destacar, porém, que isso não transforma os terroristas em ?individualistas? no sentido teórico do ?anarquismo-individualista? de, por exemplo, Tucker. As referências de revolução, funcionamento da sociedade, ideal de organização futura da anarquia destes terroristas ainda eram coletivistas ou comunistas. Sua ação poderia ser isolada, pois eram sempre re-ações imediatas a atos do governo , o terrorismo anarquista não tinha como objetivo ser um mecanismo da revolução em si.


    ANA > Ao escrever o livro, você encontrou algum episódio que merecesse um filme?
    Fabrício < Pergunta interessante! Desde que não fosse feito em Hollywood! A vida de qualquer um deles daria um ótimo filme. Há sempre algo de fascinante em pessoas como aquelas. Na própria época, detalhes das prisões, dos julgamentos eram avidamente acompanhadas pela própria burguesia através dos jornais diários, as execuções eram vistas por centenas e centenas de pessoas nas praças. A trajetória de vida, desde a infância, de Ravachol e Lucheni, por exemplo, são muito marcantes em termos de demonstrar o sofrimento das classes operárias da época. As ações do Vontade do Povo são realmente espetaculares. Mas só seriam filmes interessantes se conseguissem captar a humanidade, por contraditória que fosse, daquelas pessoas e não as colocassem como ?máquinas revolucionárias de matar?.



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    ANA > O seu livro trata mais dos movimentos russos e da Europa ocidental. Isto foi proposital ou você pretende escrever outro livro sobre o assunto, mas focando a América Latina?
    Fabrício Que relação você faz destas ações diretas ?violentas? do século XIX com o insurrecionalismo anarquista de hoje, as ações diretas pela libertação animal e da terra?
    Fabrício O que eu percebo hoje na diversidade anarquista é que não há ações que tenham como alvo reis ou presidentes como no passado, até porque o nível de proteção e segurança destes figurões se sofisticou e mudou bastante. Mas também é fato que nos últimos anos aumentou, em vários pontos do mundo, as ações diretas incendiárias e de libertação animal, ataques a propriedades capitalistas, em defesa da natureza, expropriações, enfim, ações mais ousadas...
    Fabrício <É verdade, embora às vezes todo esse aparato pode ainda falhar: não foi um atentado político, mas lembra do Silvio Berlusconi em dezembro passado? Mas estas ações mais ousadas, penso eu, ampliam-se hoje um pouco pelo que falei anteriormente. Percebemos que, por mais ?liberdade de expressão? que tenhamos hoje ela não permite um debate de idéias verdadeiro na sociedade, a organização de formas de auto-educação populares efetivas etc. A maleabilidade e eficiência do capital e do Estado atuais em envolver, transformar e neutralizar iniciativas desse tipo, aparentemente mais ?pacíficas?, é tão forte que alguns resolvem partir para ações mais diretas.



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    ANA >Você falou em "sensibilidade" anteriormente. A meu ver sensibilidade está intimamente ligada a coragem, ousadia... Aí eu pergunto: a anarquia cabe em corações medrosos?
    Fabrício < A sensibilidade, na minha visão, envolve coragem, ousadia e também ? talvez, sobretudo ? a capacidade de perceber a posição do próximo. Sensibilidade envolve solidarizar-se, pois você consegue enxergar o outro como um ser humano igual a você. Se você sente dor, medo, humilhação etc. e tem sensibilidade para perceber que o outro também sente estas coisas aí está, a meu ver, meio caminho andado para o anarquista . Não estou dizendo nada de caráter cristão ? a não ser que alguém veja um cristianismo sem igrejas e também sem o auto-rebaixamento do indivíduo frente ao ?sagrado?. Fazer atuar esta sensibilidade na sociedade requer fundamentalmente coragem e aí sim concordo plenamente com você, desde que respeitemos também o processo de cada um do fazer-se anarquista, sem exigir do outro atitudes que nós mesmo classificaríamos como ?corajosas? ou ?mínimas? para o anarquista ?ideal?.


    ANA > Última pergunta para finalizar. Uma vez o presidente Lula disse que o povo brasileiro é doce, pacífico, fácil de se governado. E dias atrás, durante um discurso para funcionários da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, falou que o trabalhador brasileiro não precisa mais ficar distribuindo folhetos na porta das fábricas e xingando os patrões... O que você acha dessas declarações?
    Fabrício Mais alguma coisa?
    Fabrício <A memória do terrorismo revolucionário foi por muito tempo sufocada e rejeitada pelos próprios anarquistas, mas isso teve um motivo político plenamente justificável na época . O ideal anarquista não conseguiria se fortalecer com uma taxação tão ?pesada? como as acusações de ?destruidores?, ?violentos?, ?niilistas?, enfim. Hoje, entretanto, podemos retomar esta memória como fonte de reflexão para nosso presente e tentar compreende-la melhor, sem repetirmos nós mesmos as acusações feitas pelas elites do passado sobre os companheiros do século XIX.




    Niilismo Social, O ? Anarquistas e terroristas no século XIX

    Fabrício Pinto Monteiro

    Formato 14x21cm, 106 páginas
    ISBN: 978-85-391-0080-4
    Editora Annablume
    Preço promocional R$18,75
    http://www.annablume.com.br/





    agência de notícias anarquistas-ana

    Nesse fim de mundo
    Um girassol solitário ?
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    Neide Rocha Portugal



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