Rui Rocker é uma figura inconfundível e mesmo emblemática no punk português, tanto pela sua contínua actividade como guitarrista, como pelo espírito, atitude e postura (não só em palco) que sempre demonstrou e lhe atribuiu um carácter especial.
Ficou conhecido para sempre como músico dos Crise Total, mas esteve sempre envolvido com bandas e projectos, tendo mais relevo nos últimos anos com Rolls Rockers e actualmente com a recente banda Asfixia.
A experiência e honestidade do Rui são como uma ´marca registada` que leva muita gente a procurá-lo e a pedir conselhos.
O Billy News elaborou algumas questões que aborda o passado, presente e um futuro próximo que teima em não o deixarmos de ver em palco a actuar.
E ainda bem que assim é.
Billy- Quem te conhece pessoalmente sabe que tens sempre mil histórias para contar sobre os finais da década de 1970 e início da seguinte. Como te atraiu o movimento punk, lembraste dos primeiros tempos?
Rui Rocker-Talvez um dos principais responsáveis por eu ter tido acesso ao movimento punk tenha sido o meu pai ,pois frequentemente me levava a Londes e mostrava-me tudo o que havia para além do Turismo,desde freak´s ,rockers ,mods punks e não sei porquê a tendência dele era sempre irmos a Pubs frequentados por Punks na sua maioria (que era sempre um problema devido a minha idade).Para ajudar a festa oferecia-me frequentemente discos de bandas punk ,estou-me a lembrar Sex Pistols ,Ramones ,Uk Subs e muitos outros ,mas também a dar-me no meio doses de rock que era mais a onda dele.
Claro como puto de 13 anos tinha que optar por uma cena diferente do meu pai, logo optei por tentar saber mais a fundo o quê e o Porquê daqueles gajos esquisitos com o cabelo todo fodido quem chamavam punks .
Claro Tudo isto seria bonito e fácil se não estivéssemos em Portugal.Os primeiros tempos foram terríveis ,íamos dentro todos os dias ,não por fazer merda ,mas porque éramos diferentes e acima de tudo muito poucos ,lembro-me do pessoal da área de Lisboa e arredores encontrar-se na feira da ladra ao sábado a porta duma tasca que salvo erro se chamava Tabuense,mas acabava por ser caricato ,as pessoas ficavam a toa porque não sabiam muito bem o que nós éramos ou que ideias é que tínhamos,de maneira que as reacções eram do melhor ,havia aqueles que fugiam,os que apontavam,os que mandavam bocas os que não tinham reacção absolutamente nenhuma a não ser ficarem de boca aberta a abanar a cabeça ...e as autoridades que para todos os efeitos pregos´, cabelos espetados e roupa pintada era sinonimo de banditismo como tal leva pa dentro ,com as desculpas mais esfarrapadas tipo ofensa a moral publica ,devido aos escritos nos blusões,posse de arma branca por causa das pulseiras e cintos de cardas,etc
De certa forma era bem giro,porque nunca nos associavam á contestação social ,mas sim como gajos estranhos ,drogados, bandidos e muito raramente artistas.
Billy- Quando é que pensaste que querias formar uma banda? O primeiro projecto chamava-se apenas Crise?
Rui Rocker-Essa ideia surgiu em 1978, se já chamava-mos a atenção pelo visual,porque não levar a causa mais longe e utilizar também a musica como forma de contestação,afinal no Algueirão nessa altura havia bandas de rock , blues,pop e outras coisas estranhas ,mas não havia punk rock então nascem os Choque que tiveram a sua 1ª actuação no liceu da Portela de Sintra em Março de 1978,logo após esse concerto a banda chega a conclusão que Crise deveria ser o nome adequado para o projecto uma vez que definia a nossa verdadeira situação social,não havia instrumentos electrificados nem sala de ensaios e foi precisamente num desses ensaios no meio da rua que o saudoso Farinha Master nos veio abordar sobre o que é que estávamos a fazer no meio da rua a rasgar as guitarras espanholas de Badajoz.Depois de uma breve explicação fomos convidados a tocar e ensaiar na garagem dele com o material dos Wc Porno e a partir daí surgiram os Crise mais a sério .
Billy- Já como Crise Total, que memórias guardas dos tempos do Rock Rendez-Vous e da altura em que sentiram que marcaram definitivamente a música nacional, ou pelo menos a música punk portuguesa?
Rui Rocker-Epá o Rock Rendez-Vous ,surgiu numa altura em que nós como banda estávamos á toa, tínhamos sido banidos de tudo quanto era escolas e liceus e bailes na zona de vez em quando lá aparecia uma festa privada , o Manolo tinha entrado para a banda a relativamente pouco tempo e decidimos concorrer ao 1º Concurso de Musica Moderna só com a cena de irmos tocar num palco a sério ,com amps a sério ,Pa a sério o que dava para mais uma vez fazer contestação a sério ,e claro vai de gravar 4 malhas com um gravador a pilhas mono ,numa cassete de ferro bem rasca e embrulhar tudo numa folha a dizer Crise Total ...punks not dead.Qual foi o espanto quando consultamos a lista de apuramento para o concurso estava lá Crise Total,nem quisemos acreditar ,mas lá fomos um bocado desconfiados (quando a esmola é grande o pobre desconfia).Quando acabamos a dita actuação e depois de termos tocado mais uma musica que as outra bandas a concurso (porque as nossas eram muito rápidas),o espanto ainda foi maior quando entra uma jornalista (Ana Rocha) a fazer-nos uma entrevista para ser publicada no jornal A Capital , a dar-nos os parabéns que tínhamos ganho a eliminatória e tínhamos recebido o prémio de revelação o que nos ia proporcionar mais idas ao RRV o que era óptimo.
Acho que nessa altura não nos apercebemos bem do impacto que Crise Total poderia trazer ao punk Rock Português ,ficamos sim com a noção que poderíamos chegar com a nossa contestação a mais gente e talvez (como veio a acontecer) termos oportunidade de tocar noutros locais ou seja chegar ainda mais longe.
Billy- O regresso em 1995/6 foi bastante fulgurante e bastante feliz, apesar de ser só com 50% dos elementos originais, o disco lançado “A Crise Continua” e a quantidade de excelente concertos dados foi importante (tal como a actuação no festival em Faro). O que aconteceu para as coisas abrandarem cerca de um ano depois?
Rui Rocker-O regresso de 1995/96 surge por grande culpa do João Rolo ,que veio falar comigo e com o João Filipe ,sobre o pessoal ter saudades de Crise Total e que havia músicos disponíveis e com vontade de fazer reviver o espírito da banda.Tanto eu como o João Filipe ,aceitamos , o panorama politico em Portugal era propício e a coisa até correu mais ou menos bem .,mas depois de termos dado concertos durante um ano e alguns meses chegamos a conclusão que já não fazia muito sentido continuar a tocar as mesmas malhas,as saudades quem tivesse que as matar já tinha tido oportunidade,ainda houve umas tentativas de fazer uns originais ,mas já não era o mesmo e a coisa acabou por ficar por aí.
Foi bom e útil no contexto politico dessa altura ,mas não tinha a genuinidade dos anos 80
Billy- Tu nunca paraste, apesar dos vários interregnos dos Crise Total, seja como convidado de alguns projectos ou fazendo parte mesmo de outras bandas. Conseguiste sempre conciliar a actividade de músico ao longo da tua vida ou fizeste paragens significativas em que sentiste necessidade de parar?
Rui Rocker-Não nunca parei ,apesar de ter andado em cenas muito diversificadas e talvez as diferenças de projectos (desde o teckno,pop,experimentalismo,rock,etc) tenha contribuído para nunca ter sentido vontade de parar,mas sim de variar , fazer o que gosto e defender as minhas causas com outras sonoridades,acima de tudo fazer sempre o que gosto mantendo-me fiel aos meus princípios.
Billy- Nos últimos anos, a banda mais ´visível` onde estiveste foram os Rolls Rockers, por muitos anos (isto para além dos ´Crise [Quase] Total com Zorb dos Dalai Lume nas vozes). Deram imensos concertos, chegaram a ir tocar no estrangeiro, lançaram umas demo`s, mudaram de vocalista várias vezes, mas ao fim de tanto tempo decidiram parar. Ainda hoje pensas que foi a decisão certa?
Rui Rocker-Acho que Rolls Rockers parou onde devia . Apesar de ter sido convidado para tocar nessa banda numa fase muito inicial ,foi uma das bandas que me deu muita pica tocar e gostava mesmo daquilo ,mas entretanto começaram a surgir divergências musicais e decidimos parar.
Até quem sabe qualquer dia a gente se possa juntar de novo para Rockar mas para já parou e parou muito bem
Billy- Os Crise Total regressaram, juntamente com Manolo (vocalista original) que nunca se tinha juntado desde a década de 1980. Já fizeram duas mini-digressões, uma em 2009 e outra no ano passado. A ideia é juntarem-se uma vez por ano? Enquanto houver vontade e espírito para interpretar os temas?
Rui Rocker-Pois essa ideia surgiu com o aparecimento e disponibilidade da parte do Manolo que falou comigo e penso que com o João Filipe (este devido á sua vida privada não teria disponibilidade) .E lá nos juntamos para dar uns toques sempre que o Manolo tiver disponibilidade e a conjuntura politica o exigir.
A ideia é fazer uma mini tour todos os anos se possível , e gravar alguns temas que nunca apareceram em gravações ou nunca foram gravados em disco.
Billy- Como te é habitual, não páras. Formaste os Asfixia que têm dado excelentes concertos um pouco por todo o país. O público tem reagido muito bem a esta nova banda e aos temas. Sempre ajuda ter alguns elementos bem experientes nestas andanças (para além de ti, o Jonhie dos Simbiose e mesmo contando com boa prestação dos ´jovens` Marden e Inês Menezes). Concordas que foi um arranque com uns degraus mais acima do normal, para qualquer outra banda que se iniciasse agora, ou nem por isso?
Rui Rocker-Claro que concordo,é a primeira vez que uma banda minha de raiz é recebida tão bem no meio,não sei se é bom se é mau ,mas que nos está a dar mais pica para continuar e com mais força lá isso está.
Alem da formação já ter alguma experiência ,tivemos a sorte de ser basicamente apadrinhados pelos grandes Gazua ,que partilharam a TourNado connosco que nos ajudou a espalhar a nossa sonoridade praticamente a todo o País.Um Grande bem haja para eles.
Billy- Editaram uma ´demo` com alguns temas, mas é impossível traduzir o calor e a vossa postura efusiva em palco, para uma gravação digamos ´do it yourself`. Pensam gravar algum disco proximamente num estúdio profissional? Há planos para editar um álbum completo, digamos com umas dez ou doze faixas?
Rui Rocker-Sim a seguir ao festival Outsider 4 (onde vai haver uma surpresa na formação dos Asfixia),estamos a pensar entrar em estúdio para fazer um álbum com 12 /13 temas, temos algumas editoras interessadas,mas nada de concreto para já vamos gravar e depois logo se vê.
Billy- E agora a questão final, que já te devem ter colocado imensas vezes ao longo da tua vida. Até quando pensas ser um ´jovem`? Tens alguma previsão de quando irás parar de actuar em palco, de ir em digressões, de carregar material da carrinha para o palco e vice-versa?
Rui Rocker-No dia em que eu deixar de pensar que sou jovem ,estou feito ao bife já fui hehehe,não me vejo a parar de actuar tão cedo a não ser que surja uma impossibilidade física fazer musica sem pisar palcos não é propriamente para mim ,nem que seja no estacionamento com um gerador ou com uma cadeira de rodas com cardas enquanto o esqueleto der eu vou estar lá.O QUE NASCE TORTO JAMAIS SE ENDIREITA.
Boa entrevista...
ResponderEliminardiria excelente mesmo com imensos detalhes do rui, muito bom.
ResponderEliminarMuitos parabéns ao Billy pela EXCELENTE entrevista a este grande senhor do (punk)rock português. Mais um contributo importante deste blog para a história /cultura musical nacional. Obrigada.
ResponderEliminarPARABÉNS a letras GARRAFAIS! ;o)
ResponderEliminarHá grande Rui..... E viva o punkrock........
ResponderEliminarExelente...
ResponderEliminarHá grande Rui!!!
E viva o PunRock.....
Parabéns.
Ganda entrevista, pá. Muito bom.
ResponderEliminarassim se fala em bom punktuguês...
ResponderEliminarmuitos mais tenham atitude e irreverencia semelhante, sao os meus votos para 2013. hehe
rock'n'rolling
Excelente!
ResponderEliminareterna saudade deste senhor
ResponderEliminarMuito bom! Saudades do velhote.
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