Ao fim de mais de 15 anos, os Corrosão Caótica vão reunir-se para um concerto que será único, no dia 31 de Outubro no Musicbox em Lisboa, num evento que também junta duas bandas extintas, os Osso Duro De Roer e ainda LovDaXit.O Billy News falou com a banda punk/hardcore lisboeta sobre vários tópicos, nomeadamente este regresso, alguns momentos do passado e perspectivas de futuro (que no fundo, após dia 31 de Outubro, não são nenhumas).
Na foto da esquerda para a direita:
Rui (baterista de Eletro Cordel), João (guitarrista actual de Gazua e Eletro Cordel), Paulo (o vocalista Piranha) e Zé Gato (baixista que também passou por Subcaos)
Os membros pronunciaram-se abertamente sobre a saudosa banda e sobre momentos que nos fazem ´viajar` no tempo... vejamos o que responderam.Billy- A banda formou-se em finais da década de 1980, sensivelmente em 1990 teve uma quantidade de fãs relevante. Obviamente que ao longo de vários anos, as influências variaram bastante e de elemento para elemento, mas quais as bandas que ouviam na altura que iam buscar inspiração para os vossos temas?
JOÃO - em 1990 eu devia andar a ouvir Suicidal Tendencies, M.O.D., Anthrax, Metallica, Gang Green, Cryptic Slaughter, Mucky Pup... sei lá...por aí...ZÉ GATO - A banda formou-se no final de 1988, com o Penas na voz a o Cruche na guitarra, o que nao demorou mais do que dois ou 3 meses, a formação sólida dos Corrosão sempre foi esta (Rui, Eu, Paulo e o João). O João tal como disse e o Piranha também, ouviam mais hardcore, eu e o Rui eram mais cenas tipo Ripcord, Disorder, Chaos UK, Terveet Kadet, GBH, Cicatriz, No Security, Doom, Extreme Noise Terror, etc.....
RUI - …eram estas e mais umas quantas dezenas provenientes de militantes anarco-sindicalistas, anarquistas contemporâneos, anarco-comunistas e pós-modernistas…ou não, como diriam os Ramones: were are here just to hang out…terei ainda assim de adicionar os Crass…e os Ku de Judas…
PAULO - ... Eu na altura gostava, e ouvia tudo dentro do “FreakopunkMetalCore” lol.... Operatian Ivy, Suicidal Tendencies, Ratos de Porão, Kortatu, e especialmente tudo muito regado com muito Misfits. Para mim, mais do que as bandas, o que me inspirava a sério eram os amigos de então, as conversas, os debates e as ideias que se discutiam até tarde no antigo Couves no Bairro Alto...Billy- Desde bem cedo que os Corrosão Caótica tiveram bastante adesão por parte do público, especialmente nos concertos ao vivo. Foi devido à fórmula que adoptaram, o tal cruzamento do punk com metal que funcionou bem, por não haver muitas bandas em Portugal com o mesmo tipo de sonoridade ou qual acham que foi o principal motivo?
JOÃO - A verdade é que nunca pensámos muito nisso. Nunca pensámos em fórmulas nem tínhamos bem a noção que estaríamos a fazer um som que era o cruzamento do punk com o metal. Havia dentro da banda referências relativamente distintas mas que conviviam em harmonia. Em relação ao público, penso que pelo facto de actuarmos ao vivo com alguma regularidade tornou o nome mais visível e isso começou a chamar pessoal. Tínhamos também o hábito de ensaiar bastante e construíamos por isso músicas com umas estruturas algo complexas que acabaram por personalizar um pouco o nosso som, e isso também pode ter servido como chamariz. Na verdade, isto são só especulações, pois não sabemos nem iremos saber ao certo porque é que o pessoal aparecia nos concertos. he he.
ZE GATO- Tal como o João disse não havia formula (tirando as malhas que ripamos na altura a Disorder e No Security hehe). Juntávamo-nos no local de ensaio, que nos primeiros tempos era a cave do Penas onde ensaiavam outras bandas também tipo os CIAneto, Fart, Dr. Estigma, etc. E pronto, tal como o João disse tocávamos bastante, e depois começámos a ensaiar mais e mais. Lembro-me que tocamos para cerca de 1500 pessoas uma vez na festa da Anarquia em Espanha, no ano seguinte fomos lá e tocamos para 20 pessoas com vacas e bois a nossa volta, alias até podia ter saído na TV Rural com o Engenheiro Sousa Veloso a apresentar. e sim, nunca tivemos nenhuma expectativa de ‘embora vamos fazer este tipo de som’. Era a salada mista, saía o que saía...
RUI - …voto definitivamente na salada mista até porque uns anos antes já por cá tinham passado os Salada de Frutas !!!! Creio sinceramente que importante foi a relação que fomos criando com o “público”…respirava-se a militância nestes tempos…tempos de trapalhadas políticas e dificuldades para os estudantes e jovens trabalhadores…os saudosos tempos de alguém que nunca se engana e raramente tem duvidas…
PAULO – Essa adesão do público, para mim, e tal como já foi dito, não teve a ver com formula alguma. O que nós gostávamos era de ensaiar muito, o que resultou em concertos com poucas fífias. Não era habitual na altura, uma banda de putos de 16/17 anos tocarem este tipo de som certinho ao vivo...Billy- Chegaram a percorrer o país, a tocar de Norte a Sul. Que melhores memórias recordam desses tempos?
JOÃO - Éramos na altura uma banda com uma média de idades relativamente nova, 18/19 anos. Por isso as deslocações eram sempre bastante eufóricas. Acho que acima de tudo o mais importante foi conhecer muita gente de sítios distintos que em alguns casos se tornaram amizades que duram até aos dias de hoje! Também foi importante cruzar experiências com bandas de outras cidades pois isso também ajudou a fortalecer o que estávamos a fazer na altura.
ZE GATO - Quando começamos eu tinha 15 anos e o João 16...foi mais cedo que isso Johnny e sim percorremos Portugal todo, as historias são muitas, conhecemos muita gente, e depois começaram a surgir bandas como os Subcaos, os Inkisicao, os Alcoore e a malta dava-se toda. Só há uma coisa que até hoje nos bate: ainda há uns meses eu e o João estávamos no bairro a falar e perguntamo-nos pela primeira vez porque é que as salas se enchiam tanto e nos nunca víamos um tostão? Porque éramos novos e estávamo-nos nas tintas para o negócio. Tal como o João disse, era tipo acabava o concerto, púnhamos as guitarras ao ombro e era “então, como é que é agora? bora pro bairro
RUI - …há concertos e episódios que perduram na memória…lembro-me do famoso concerto em Viseu que acabou com o Miguel despido no corredor do Hotel com um gerente Judoca atrás dele…ou a perseguição dos Skins no Porto…e, claro, nos restantes e maioria dos concertos grande ambiente e diversão à lá Pedro Pico & Pico Vena !!!
PAULO – As memorias que melhor guardo desse tempo, são o convívio entre os elementos da banda, as tardes a pintar panos de fundo para os nossos espectáculos, e especialmente, os ensaios em casa da mãe do Rui, um apartamento no ultimo andar em Benfica, e a gaja da Universidade do prédio em frente que queria estudar e chamava a bófia...Billy- Tiveram uma ´demo` em formato de cassete, depois o vinil e finalmente o disco em CD. Como foram as reacções na altura a cada edição?
JOÃO - A demo, como primeiro registo e numa altura em que poucas bandas do género gravavam musicas em "estúdio", despertou alguma curiosidade, mas o Vinil de 92 foi sem dúvida o que nos ajudou a marcar uma posição mais séria no panorama de musica nacional. O disco de 94 por razões técnicas sai com uma qualidade sonora bastante sofrível e isso prejudicou o impacto no público. Apenas os concertos continuaram a manter a banda ao bom nível que seria exigido.
ZE GATO - Faço das minhas palavras as palavras do João. A demo foi gravada na casa de banho do guitarrista dos CIAneto. O Vinyl de 92 na altura como foi o primeiro Vinyl DIY de uma banda Portuguesa levantou a posição, quanto ao CD dois meses ou três antes de ser gravado eu saí porque não gostava mais do som, fins de 94, e já se notava que eu já não estava lá mesmo.. Mas ficamos sempre amigos.
RUI - …ainda hoje lamento o facto de não termos tido a maturidade/suporte necessários para termos ficado com registos mais interessantes, tanto no vinil, como no CD…enfim foi o possível e mais do que outros conseguiram fazer na altura…
PAULO - ... bem, eu por mim também gostava que as gravações da altura tivessem mais qualidade, mas não podemos esquecer que há 18 anos atrás não se gravavam álbuns em casa com o computador. A internet não era um veiculo primordial de promoção de uma banda. Editar um disco na altura, era um processo moroso e dispendioso, gravação, edição, distribuição e promoção. Os elementos dos Corrosão eram estudantes. Não havia dinheiro. O que contámos sempre, foi com a ajuda e boa vontade de amigos que nos ajudaram a gravar e a publicar as nossas músicas. A eles todos agradeço, e com melhor ou pior resultado, foi o possível. E mais, ainda nos divertimos à grande!!
Billy- O final da banda ocorreu por volta de 1995. O motivo principal foi falta de interesse pessoal dos elementos, esgotaram ideias ou o que se passou afinal?
JOÃO - Houve algumas razões em cadeia, mas a principal foi o facto do Rui não poder estar presente num concerto relativamente grande em Lisboa. Isso desmotivou-me muito a mim e não quis voltar a passar por essa experiência. Tínhamos finalmente pessoas a querer puxar os Corrosão para cima, estávamos na altura a tocar com o Fred (ex-Censurados) o que também elevou a fasquia do que fazíamos e como na altura eu seria o homem do Leme, resolvi dar o passo e propor o fim da banda. Ou estamos a 100% ou não estamos.
ZE GATO - Não me lembro bem o que andava a fazer em 1995, acho que estava no UK.
RUI – Nestas como noutras situações é difícil de apontar uma razão…sinceramente não me lembro da cena do concerto em Lisboa…mas tudo na vida tem um fim…foi um ciclo que se encerrou.
PAULO – Alguns dos elementos dos Corrosão em 1995 começaram as suas profissões. Era tempo de ponderar o tempo que davas a uma banda. Alguns elementos querem ensaiar 4 vezes por semana e querem acima de tudo ser músicos, outros, querem acima de tudo seguir com profissões para as quais estudaram e se dedicaram e que amam.... tinhamos vinte anos e vontades de futuro diferentes.
Billy- O que vos motivou a pensar mais seriamente neste regresso, ao fim de mais de 15 anos?
JOÃO - Gostámos do conceito de ser na Noite dos Mortos (Halloween), em que tocariam 3 bandas mortas. O Miguelinho tinha acabado de chegar de 17 anos a viver em Londres e foi uma boa oportunidade para nos reencontrarmos.
ZE GATO - Não João, fiquei lá 14 anos. A ideia foi minha. O João disse nem pensar, depois o Rui disse que era boa ideia, o Paulo também e eu disse que dar um concerto só com baixo bateria e voz não ia ficar lá muito bem hehe. Como o João disse gostámos do conceito da Noite dos Mortos Vivos.
RUI – Conceito interessante…enquanto estivermos vivos…
PAULO – Achei graça ao conceito do espectáculo, e fui muito bem convencido...Billy- Estão a trabalhar em temas novos, vão apresentar alguma novidade, ou nem por isso?
JOÃO - Penso que temas novos não seriam sequer interessantes neste caso. A ideia seria mesmo trazer temas que morreram com a banda e é isso que vamos fazer.
ZE GATO - Eu mal dos velhos me lembro quanto mais fazer temas novos... Além disso temos as nossas vidas feitas e todos nós somos bastante ocupados com cenas da vida...
PAULO – Não. A única novidade é tocar temas que escrevemos aos 16 anos. Agora estamos quase nos 40 !!Billy- Decerto que há muita gente que vos recorda mas que não tem possibilidade de vir ao concerto em Lisboa. Há planos para mais concertos, novas datas agendadas ou será mesmo um concerto único?
JOÃO - Não há qualquer hipótese de haver outro concerto. Isso iria inclusive desvirtuar esta primeira actuação. Uma das coisas que fez a banda juntar-se para ensaiar foi mesmo saber que seria para uma festa única.
ZE GATO - Tivemos varias propostas, especialmente do Porto, festivais, etc, mas tal como o João disse é só este concerto para relembrar os velhos tempos. Não é por dinheiro, status nem nada disso, é só mesmo para a malta se reunir e passarmos uma boa noite nostálgica, vá lá.
RUI – Como o João referiu desvirtuava o concerto…além da questão da pedalada…é que isto acabou há 25 Kg atrás…
PAULO – Como todos já disseram, esta reunião ao vivo não vai ter replay.Billy- Para o final, uma frase (mesmo que mínima) de cada um, para os fãs da banda que vos acompanharam na altura e ainda vos recordam com grande vontade de ouvir os vossos temas.
JOÃO - Apareçam no concerto! Tragam os filhos e os netos... he he he!
ZE GATO- Alguém tem um baixo, palheta, cabo e amplificador que me empreste??
RUI – …venham todos e tragam as memórias…principalmente as que já estão enterradas!!!
PAULO – Tragam os capacetes que a máquina do tempo vai andar para trás!!
(Esta entrevista também está disponível na edição nº 40 da fanzine Outsider)