A propósito dos 25 anos de actividade, do novo álbum “Pesadelo Em Peluche” e sobre o momento actual dos Mão Morta, o Billy News colocou umas questões a Adolfo Luxúria Canibal, para termos uma ideia do que aí vem em termos de sonoridade, conceito e concertos ao vivo.
Billy - Para já, parabéns pelo novo álbum, em minha opinião é definitivamente um regresso mais ´directo` ao rock, um disco cheio de ritmo, menos introspectivo, com mais guitarradas e até temas relativamente curtos. Era uma sequência lógica da banda, após “Maldoror” ou nem por isso?
Adolfo Luxúria Canibal – Não propriamente uma sequência, mas mais uma reacção ao “Maldoror”. O “Maldoror” foi um trabalho muito longo, muito obsessivo, que exigiu muito de nós, não só em termos criativos mas sobretudo em digressão, com os seus textos intermináveis, as marcações, as indumentárias, todo o ritual de preparação que antecedia um espectáculo, e estávamos ansiosos por respirar outra coisa, menos pesada, menos claustrofóbica, e um mergulho no rock mais clássico, de canções curtas, texto mais telegráfico, mais descarnado, pareceu-nos uma boa ideia para limpar a mente do “Maldoror”.
Billy - Pelo que ouvi no myspace (os Mão Morta disponibilizaram os novos temas para audição, por uns dias) as faixas são bem distintas e com sonoridades bastante variadas, “Como Um Vampiro” e “O Seio Esquerdo de RP” são bom exemplo. Foi fácil compor temas assim tão díspares?
Adolfo Luxúria Canibal – Na senda do conceito do álbum, que parte do livro “The Atrocity Exhibition” de J. G. Ballard, quisemos que, também sonoramente, ele espelhasse a iconografia da cultura de massas que nos submerge e, nesse sentido, utilizamos como ponto de partida para cada canção uma matriz reconhecível que os últimos anos do rock tenha estratificado. Depois de identificados os elementos essenciais dessas matrizes, o processo de composição não levantou problemas ou dificuldades acrescidas em relação a um processo de composição tradicional.
Billy- Há uma temática geral abordada no álbum, algum conceito? Fala-nos um pouco sobre as letras dos temas…
Adolfo Luxúria Canibal – Nós balizamos o disco no conceito inerente ao livro do Ballard que lhe serviu de mote inspirador e que, de um modo geral e sucinto, questiona a interferência que a cultura de massas contemporânea e a sua interdependência com a tecnologia pode provocar na organização psíquica do ser humano, até que ponto a espécie humana altera os seus padrões comportamentais, ao nível das suas pulsões mais primordiais, como a sexual, e das projecções mais banais, como o desejo, em função de toda a panóplia iconográfica que o rodeia. As letras reflectem isso, partem de pequenos nadas quotidianos que se transformam em comportamentos psicóticos por via da contaminação que o meio ambiente massificado e tecnológico opera no subconsciente da espécie.
Billy - Ao longo destes 25 anos a banda sofreu algumas mudanças de elementos, como é normal acontecer num período tão longo. Esta formação já não se altera há um bom tempo. Em tua opinião sentem-se mais confortáveis actualmente ou não tem nada a ver com isso?
Adolfo Luxúria Canibal – Enquanto banda, sempre nos sentimos confortáveis. As alterações na formação que aconteceram – e refiro-me apenas às 4 substituições de elementos, porque as outras alterações foram acrescentos – tiveram só a ver com mudanças na vida particular ou profissional de cada um, que os obrigaram a opções individuais que não contemplavam a permanência na banda. Mas enquanto banda, excepto nos fugazes momentos em que tínhamos que encontrar substitutos, sempre as coisas foram vividas de uma forma muito pacífica e confortável.
Billy - Se é que nos podes avançar, nos próximos concertos ao vivo haverá algum cenário especial, alguns adereços em palco? Já estamos habituados a ver os Mão Morta ´envolvidos` cenicamente…
Adolfo Luxúria Canibal – Vamos trabalhar com um cenário e um desenho de luzes pensado especialmente para este disco e para a sua temática, tal como foi apresentado no Coliseu, mas que variará em função das capacidades técnicas de cada espaço onde nos apresentemos.
Billy - A primeira apresentação foi no passado dia 29 de Abril no Coliseu em Lisboa, um regresso portanto. Escolheram de propósito a sala para apresentar o novo disco, ou foi apenas uma questão do agenciamento?
Adolfo Luxúria Canibal – Escolhemos de propósito a sala. Há muito tempo que não fazíamos a estreia de um disco novo em Lisboa – o Há Já Muito Tempo Que Nesta Latrina o Ar se Tornou Irrespirável tinha sido estreado no Hard Club, em Gaia, o Primavera de Destroços foi estreado no Gil Vicente, em Coimbra, o Nus teve apresentação no auditório do PEB, em Braga – pelo que achamos que estava na hora de fazer novamente uma apresentação em Lisboa. E o Coliseu dos Recreios pareceu-nos uma escolha lógica, não só pelas condições da sala mas também pelas belíssimas recordações que dela guardávamos.
Billy - Para terminar, uma pergunta mais pessoal, nesta altura mais activa dos Mão Morta, és ´obrigado` a fazer uma pausa em outros projectos que tens (por exemplo, Mécanosphère) e mesmo na tua vida profissional e pessoal, ou consegues conciliar tudo facilmente?
Adolfo Luxúria Canibal – Eu deixei de colaborar com Mécanosphère em meados de 2009. Quanto a outros projectos, como Estilhaços com o António Rafael ou a continuidade do trabalho editorial da Cobra, é evidente que passam para segundo plano (estão sempre em segundo plano – é um acordo interno na banda que permite, a cada um de nós, aventurar-se por outros projectos e actividades sem pôr em causa os Mão Morta, que tem sempre prioridade sobre qualquer outra coisa) e, nesse sentido, não entram em pausa mas ficam dependentes da disponibilidade que lhes possa dedicar. O mais complicado é mesmo a conciliação com as obrigações da minha vida profissional, que, quando não encontro outra solução, resolvo recorrendo a dias de férias.
http://www.myspace.com/maomorta
4 comentários:
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Fica aqui um agradecimento especial ao Adolfo Luxúria Canibal, pelo tempo disponibilizado para esta entrevista numa altura bastante activa da banda.
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Muitos parabéns ao Billy-News por esta excelente entrevista (verdadeiro serviço público) e aos Mão Morta pelo novo trabalho, não só pelo seu conceito e explorações sonoras, como também pela pertinência e actualidade da temática orientadora, pelas relações que estabelece com a literatura, e em particular pela mediação criativa que faz do complexo universo ballardiano.
Parabéns pela entrevista, tenho pesquisado na net e só encontro o mesmo texto em imensos sites. Continua com o excelente blog.
Muito boa esta entrevista, parabéns.
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