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quinta-feira, janeiro 13, 2005

Depois do maremoto

É certo que já se tem falado muito de tudo o que se passou no sudeste asiático e que as opiniões não passam exactamente disso... opiniões!

Fica aqui uma crítica/opinião (ou que desejares classificar, depois de leres um texto publicado) elaborada por um senhor chamado Ignacio Ramonet.

Cores politicas e sentimentos "anti-qualquer" coisa à parte, merece a pena (julgo eu) perder um pouco de tempo a ler a "tal" opinião.

Fica aqui um exerto :

"O mega-abalo telúrico de Samatra e os gigantescos maremotos que atingiram, a 26 de Dezembro de 2004, as costas do oceano Índico provocaram uma das mais colossais catástrofes da história.

A amplitude da tragédia humana assume dimensões raramente vistas...

Tal situação suscitou também uma cobertura mediática de dimensões excepcionais, que não teria tido lugar - e isso é lamentável - se a tragédia se tivesse circunscrito apenas à sua dimensão asiática.

Toda a situação provocou um extraordinário choque emocional, que atinge profundamente as opiniões públicas ocidentais".

Para ver o texto na íntegra, clica em comentários.






1 comentário:

Billy disse...

Depois do maremoto - por Ignacio Ramonet



O mega-abalo telúrico de Samatra e os gigantescos maremotos que atingiram, a 26 de Dezembro de 2004, as costas do oceano Índico provocaram uma das mais colossais catástrofes da história.



A amplitude da tragédia humana assume dimensões raramente vistas, apontando os números provisórios para 150 000 mortos, 500 000 feridos e 5 milhões de pessoas deslocadas.



Soma-se a tudo isto o carácter internacional do desastre.



Num só dia, o cataclismo atingiu oito países asiáticos e cinco países africanos, tendo morto, além disso, cerca de 10 000 cidadãos estrangeiros de cerca de 45 países, entre os quais 2000 suecos, 1000 alemães, 700 italianos, 500 austríacos, 200 franceses e 200 neozelandeses, bem como cidadãos mexicanos, colombianos, brasileiros, filipinos, etc.



A presença de ocidentais e o elevado número de vítimas entre estes registado contribuíram para que a catástrofe, ocorrida - num tremendo contraste - em pleno período de festas de fim de ano, tivesse repercussões planetárias.



Tal situação suscitou também uma cobertura mediática de dimensões excepcionais, que não teria tido lugar - e isso é lamentável - se a tragédia se tivesse circunscrito apenas à sua dimensão asiática.



Toda a situação provocou um extraordinário choque emocional, que atinge profundamente as opiniões públicas ocidentais.



Essa comoção - absolutamente legítima perante tanta desgraça humana, tanta destruição e tanta desolação - traduziu-se numa grande vontade de ajudar e numa calorosa dinâmica de solidariedade.



Segundo as organizações humanitárias, raramente no passado se manifestou uma tão ampla generosidade, tanto pública como privada.



Esta solidariedade para com todas as vítimas do oceano Índico permitiu que muitos dos nossos concidadãos descobrissem, para lá do cataclismo, as reais condições normais de vida dos habitantes destes países.



Apesar da importância da ajuda mobilizada, parece claramente que ela será muito insuficiente para resolver as dificuldades estruturais desses habitantes.



Recordemos alguns factos:



Uma catástrofe «natural» de idêntica intensidade causa menos vítimas num país rico do que num país pobre.



O terramoto de Bam, por exemplo, ocorrido no Irão exactamente um ano antes, a 26 de Dezembro de 2003, e que atingiu 6,8 graus na escala de Richter, fez mais de 30 000 mortos; mas três meses antes, a 26 de Setembro de 2003, um abalo mais violento, de 8 graus, na ilha japonesa de Hokkaido apenas tinha provocado alguns feridos e nenhum morto.



Um outro exemplo: a 21 de Maio de 2003, um terramoto de 6,2 graus atingiu a Argélia e causou mais de 3000 mortos; três dias mais tarde, a 26 de Maio, um sismo mais violento, de 7 graus, abalou o noroeste do Japão e não causou qualquer morto.



O que explica tais diferenças?



O facto de o Japão, como outros países desenvolvidos, possuir os meios para aplicar normas de construção anti-sísmica muito mais dispendiosas.



Então, estamos nós em situação de desigualdade perante dos cataclismos?



Sim, sem qualquer dúvida.



Todos os anos, diferentes catástrofes atingem cerca de 211 milhões de pessoas.



Dois terços dessas catástrofes situam-se nos países do Sul, onde a vulnerabilidade dos habitantes é agravada pela pobreza.



Um relatório intitulado «Reduzir o risco dos desastres», publicado a 2 de Fevereiro de 2004 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), questiona-se até sobre se se deve continuar a falar de catástrofes «naturais».



O impacte de um sismo, de um ciclone ou de uma inundação é muito diferente de acordo com o país, estando muitas vezes dependente das políticas de prevenção aplicadas pelas autoridades.



Se o mesmo maremoto tivesse acontecido no oceano Pacífico, o número de vítimas teria sido mais menor.



É que, por iniciativa de duas grandes potências - o Japão e os Estados Unidos -, os Estados ribeirinhos estabeleceram um sistema de detecção e de alerta capaz de advertir antecipadamente sobre a chegada das «ondas assassinas», assim permitindo que a população costeira se ponha a salvo.



A aquisição, instalação e manutenção de um tal sistema é, no entanto, muito dispendiosa.



A catástrofe do oceano Índico comove-nos pelo seu gigantismo e brutalidade, bem como pelo facto de um tal somatório de tragédias ter tido lugar num único dia.



Mas se, ao longo de um ano, observássemos estes países e os seus habitantes com uma curiosidade semelhante àquela demonstrada actualmente, assistiríamos - ao retardador - a uma catástrofe humana de envergadura ainda mais trágica.



Basta sabermos que, todos os anos, nos Estados do golfo de Bengala (Índia, Maldivas, Sri Lanka, Bangladeche, Birmânia, Tailândia, Malásia e Indonésia) morrem vários milhões de pessoas (sobretudo crianças), muito simplesmente por não disporem de água potável e beberem água poluída.



A ajuda pública e privada prometida aos países afectados pelo maremoto ascende presentemente a cerca de 3 mil milhões de dólares.



Apesar de toda a gente se congratular com a importância desta soma, ela é negligenciável quando comparada com outras despesas.



Por exemplo, só o orçamento militar dos Estados Unidos ascende, anualmente, a 400 mil milhões de dólares.



Um outro exemplo: quando, no Outono de 2004, a Florida foi atingida por ciclones que provocaram danos importantes mas absolutamente incomparáveis com o actual desastre do oceano Índico, Washington desbloqueou imediatamente uma ajuda de 3 mil milhões de dólares.



De qualquer forma, as somas prometidas são insignificantes se tivermos em conta as necessidades dos Estados enlutados pelo maremoto.



Convém que se saiba que, de acordo com os últimos dados do Banco Mundial, a dívida externa pública de cinco destes países ascende a mais de 300 mil milhões de dólares.



Os reembolsos que ela implica são gigantescos, correspondendo a mais de 32 mil milhões de dólares por ano.



Ou seja, um montante mais de dez vezes superior às promessas de doações «generosamente» anunciadas nos últimos dias.



À escala planetária, os países pobres pagam anualmente ao Norte rico, a título da dívida externa, mais de 230 mil milhões de dólares.



É o mundo ao contrário.



Neste momento marcado pelo maremoto, fala-se da aplicação de uma moratória da dívida externa dos países enlutados, mas não é isso que faz falta.



O que é preciso fazer é anular a dívida, pura e simplesmente, tal como os Estados Unidos acabam de impor aos seus parceiros do Clube de Paris a propósito da dívida do Iraque, país por eles militarmente ocupado.



Se isso pode ser feito pelo Iraque, que é um país rico em petróleo e gás, por que razão não poderia ser feito por países infinitamente mais pobres e ainda por cima atingidos por uma catástrofe de dimensões bíblicas?



Ainda segundo o PNUD, «à escala planetária faltam uns 80 mil milhões de dólares por ano para assegurar a todos os serviços básicos», a saber, o acesso a água potável, um tecto, uma alimentação decente, educação primária e cuidados básicos de saúde.



Este valor corresponde exactamente ao montante do orçamento suplementar que o presidente Bush acaba de pedir ao Congresso para financiar a guerra do Iraque.



A imensidão das necessidades que têm que ser cobertas mostra, por comparação, que a generosidade humana, por muito admirável e necessária que seja, não constitui uma solução de longo prazo.



A emoção não pode substituir-se à política.



Cada catástrofe revela, como se de uma lupa se tratasse, as desgraças estruturais que atingem os mais pobres, as vítimas correntes da desigual e injusta divisão das riquezas a nível mundial.



É por isso que, se se quiser realmente que o efeito dos cataclismos seja menos destruidor, será necessário avançar no sentido da procura de soluções permanentes e favorecer uma redistribuição compensatória para todos os habitantes do planeta.



Para enfrentar situações de emergência como esta, e muito simplesmente para construir um mundo mais justo, parece cada vez mais indispensável criar uma espécie de taxa sobre o valor acrescentado internacional.



Esta ideia de uma «taxa planetária» - incidindo sobre os mercados cambiais (Taxa Tobin), as vendas de armas ou o consumo de energias não renováveis - foi apresentada nas Nações Unidas a 20 de Setembro de 2004 pelos presidentes Lula do Brasil, Lagos do Chile e Chirac de França, e pelo primeiro-ministro espanhol Zapatero.



Mais de cem países, ou seja, mais de metade dos Estados de todo o mundo, apoiam doravante esta feliz iniciativa.



Porque não apoiarmo-nos na comoção universal suscitada pela catástrofe do oceano Índico para reclamar o estabelecimento imediato desta taxa internacional de solidariedade?