quarta-feira, abril 23, 2008

Mão Morta "Maldoror" - o concerto na Culturgest

"Estou sujo. Roído de piolhos. Os porcos quando olham para mim, vomitam".

Há minutos atrás acabou o concerto dos Mão Morta perante o Grande Auditório da Culturgest completamente esgotado.

Completamente porque foram muitos os que se deslocaram a este espaço, na esperança de arranjar bilhetes por via de desistências de última hora, facto que não se verificou, gerando uma multidão na entrada do edifício.



"Maldoror" é um espectáculo, mesmo pelo sentido real da palavra... não é teatro, não é poesia, não é um concerto vulgar, traduz-se numa mescla raramente vista numa banda rock portuguesa. O 'raramente' aqui tem um sentido permissivo, afinal nunca vi nenhuma banda realizar algo do género (e obviamente não vi tudo o que se desenrola país fora).

Se inicialmente pensamos existir alguma proximidade com "Müller No Hotel...", logo aos primeiros minutos renunciamos essa ideia.



A obra de Isidore Ducasse (dito Conde de Lautréamont) é demasiado negra e só mesmo Adolfo Luxúria Canibal com os seus Mão Morta para a reinterpretarem e a transporem para um formato de concerto.

"A Maldade", "A Prostituição", "A Cópula" (duma forma nunca vista), "A Porcaria" e "O Escaravelho" não são temas, mas diferentes fases que fazem parte de estilhaços do universo de "Os Contos De Maldoror", livro que concerteza Adolfo tornou mais procurado nas livrarias nos últimos 12 meses (aquando da estreia deste trabalho conceptual).

Há momentos de ritmos fortes e marcantes, mas tudo varia para sonoridades delico-doces com piano e quando menos esperamos, surgem momentos verdadeiramente arrepiantes (especialmente com silêncio absoluto na sala e a ouvir-se unicamente a respiração de Adolfo).



"Oh como é doce arrancar brutalmente da cama uma criança... fingir que se lhe passa suavemente a mão na testa... depois de repente... enterrar-lhe as unhas compridas no peito mole, de modo a que não morra... se morresse, não teríamos mais tarde o espectáculo das suas misérias", em «A Maldade».

O texto acima resume perfeitamente o universo central desta obra, com um sentido de malvadez e até sadismo.

A banda apresenta-se vestida de negro com estranhos adereços, perante imagens projectadas e um nevoeiro espesso (o baterista que o diga, actuando sob um cubo elevado, levando com a maior parte dos fumos de palco).

Adolfo é impressionante, declama os textos de uma forma quase real, dá mesmo a sensação que deveria fazer mais coisas neste campo.

Vive cada situação duma forma verosímel (há uma altura em que sustem a respiração por momentos e recomeça quase sem fôlego).

Há barcos de velas estendidas, há peixes em conflito, todo um cenário que resulta estremamente bem (muitas vezes com adereços bem simples).


Depois de uma hora e meia de actuação (é impossível descrever todas as sensações vividas), a banda termina como começou (em termos literários) perante um mar de aplausos e agradecimento no palco.

Resta referir que em todo este espectáculo, para além da banda e técnicos de som, participa uma considerável equipe de cenografia, encenação, figurinos, vídeo e desenho de luz.

Dia 3 de Maio realiza-se a última apresentação deste evento, no Theatro Circo (em Braga), afinal onde tudo começou.

Se gostei deste momento extremamente peculiar na carreira dos Mão Morta? Achei interessantíssimo, não há definitivamente uma banda em Portugal a fazer algo 'parecido'...

Isto apesar de ter saído da sala "com um estranho gosto a sangue na boca... tenho dito!"




(o disco duplo desta obra esteve à venda no local do concerto por 15 euros e está disponível na editora da banda, em http://www.cobradiscos.org/ )

2 Comments:

Blogger xCUNHAx said...

Hey Billy!

Acho que te vi por lá! eheheh Foi sem dúvida um bom espectáculo! Não posso dizer que tenha ficado surpreendido, afinal de contas são os Mão Morta e será complicado superarem-se a si próprios. Ainda assim foi um espectáculo "pesado"! A música, a voz mágica do Adolfo, os cenários, toda a construção feita à volta da poesia fizeram com que fosse uma experiência sensorial bastante completa!

Agora fico à espera de ver Mão Morta no seu registo mais normal uma vez que infelizmente ainda não tive a oportunidade de os ver ao vivo ( eu sei, falha minha )

Fica bem [[]]

5:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tive pena de não poder ir, os bilhetes esgotaram rapidamente. Se for mesmo verdade, aguardo pelo dvd. Boa review, Billy, o pessoal fica informado na mesma.Alexandre Faria

1:59 da tarde  

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